Cópia da PETIÇÃO enviada ao STF
Para: Ao Supremo Tribunal Federal (STF)
Direito à esperança de cura e vida, sim.
Ao obscurantismo, não.
Brasília, 20 de abril de 2007.
Definitivamente, um marco na história do Supremo Tribunal Federal (STF). Em 178 anos de existência, a mais alta corte do Brasil realizou, pela primeira vez, uma audiência pública.
Objetivo: ouvir cientistas sobre a lei que autoriza a realização no país de pesquisa com células-tronco embrionárias.
Pudera. É a aposta de investigadores do mundo inteiro para a cura de várias doenças ainda incuráveis, como mal de Parkinson, diabetes, doenças neuromusculares e secção da medula espinhal por acidentes e armas de fogo.
A avançada lei foi aprovada pelo Congresso Nacional por placar estrondoso: 96% dos senadores e 85% dos deputados federais deram-lhe a vitória. O presidente Luís Inácio Lula da Silva fez o mesmo. Rapidamente a sancionou. Só que ela parou no STF porque o subprocurador-geral da República, Cláudio Fonteles, alegou que é inconstitucional. Questionado sobre se sua ação não teria motivação religiosa, o franciscano Fonteles acusou a geneticista, professora e cientista Mayana Zatz de viés judaico. Fonteles disse ao jornal Folha de S. Paulo: “A doutora Mayana Zatz, que é o principal elemento de quem pensa diferentemente da gente, tem também uma ótica religiosa, na medida em que ela é judia e não nega o fato. Na religião judaica, a vida começa com o nascimento do ser vivo. Então, ao defender a posição dela, ela defende a posição religiosa dela, que é judia e que a gente tem de respeitar”.
Acontece que:
1º) A posição de Mayana Zatz em defesa da pesquisa com células-tronco embrionárias não é pessoal e muito menos religiosa. A geneticista participou da audiência pública no STF como porta-voz da Academia Brasileira de Ciências, da qual é membro. Sua postura é a mesma defendida pelas academias de ciências de outros 65 países.
2º) Há 30 anos Mayana trabalha com doenças neuromusculares letais ou altamente incapacitantes. Já viu milhares de crianças, jovens e adultos afetados morrerem sem qualquer chance de cura. Tanto que, para melhorar-lhes a qualidade de vida, fundou a Associação Brasileira de Distrofia Muscular (Abdim), da qual é presidente. Mayana é professora titular de Genética, diretora do Centro de Estudos do Genoma Humano e pró-reitora de pesquisas da USP. Publicou 280 trabalhos científicos já citados mais de 4.500 vezes.
3º) Agora, pela primeira vez, vislumbra, num futuro próximo, uma possibilidade real de tratamento para várias doenças neurodegenerativas. Sua esperança está justamente nas células-tronco embrionárias. Somente elas têm a capacidade de se diferenciar nos mais de 216 tipos de tecido do corpo humano.
4º) Mayana, como outros cientistas brasileiros, trabalha há alguns anos com células-tronco adultas. Os resultados preliminares de suas investigações – bem como os de outros presentes na audiência do STF e diretamente envolvidos com tentativas terapêuticas para diferentes condições (problemas cardíacos, diabetes, derrame, mal de Chagas, esclerose lateral amiotrófica e paraplegia decorrente da secção da medula) – mostram, no entanto, que a pesquisa com células-tronco embrionárias é fundamental. São elas que ensinarão os cientistas a programar as células-tronco adultas, de modo que se transformem nos tecidos desejados. As células-tronco embrionárias podem ser obtidas a partir de embriões de até 14 dias.
5º) A lei brasileira permite a utilização de embriões produzidos em laboratório para fins de reprodução assistida. Porém – atenção! – não abrange todos. Autoriza apenas o uso daqueles inviáveis para gestação ou congelados há mais de três anos, cuja probabilidade de gerar um ser humano é praticamente zero. A lei prevê mais: os embriões só poderão ser utilizados após autorização dos genitores. Portanto, aqueles que tiverem qualquer restrição de ordem moral ou religiosa não terão seus embriões usados para fins de pesquisa. Com o passar do tempo, os embriões deterioram-se inexoravelmente, perdendo o “prazo de validade”. Por que então não utilizá-los de forma ética e responsável em benefício do futuro e da evolução da humanidade, salvando vidas?
6º) Na prática, conseqüentemente, proibir a pesquisa com células-tronco embrionárias significará, de um lado, continuar dando aos embriões excedentes nas clínicas de fertilização um habitual e inglório destino: o lixo. De outro, tirará a esperança de cura – portanto, de vida – de milhares de pessoas. Ninguém tem esse direito.
7º) A luta pela vida está acima dos credos. Logo, não se pode misturar ciência com religião, sob o risco de se voltar ao obscurantismo da Idade Média – a idade das trevas.
8º) O Estado brasileiro é laico. Assim, a tentativa de desqualificar os argumentos científicos de Mayana com insinuações anti-semitas é lamentável. No mínimo, contraria a tradição brasileira de tolerância e respeito à diversidade religiosa.
9º) Felizmente, Mayana não está sozinha. A defesa da pesquisa com células-tronco embrionárias já permeia largos segmentos da comunidade científica e da sociedade civil brasileira. Por tudo isso, nós – de diferentes religiões, etnias, profissões, níveis socio-econômicos, idades – repudiamos a desesperada manobra para desviar o foco do debate. À Mayana, nosso apoio e solidariedade irrestritos. A sua batalha pela vida é também de todos nós.
Direito à esperança de cura e à liberdade de pesquisa, sim. Ao obscurantismo, não.
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